O autocarro soluçava no meio do trânsito à pelo menos umas duas horas. Quem ainda não tinha adormecido com o relato da bola, ia como eu, entretido a ler ou a olhar a paisagem distorcida pela chuva lânguida no vidro da janela; talvez a pensar na morte da bezerra ou do cordeiro ou do potro. Sim, porque havia tempo para tudo naquela viagem: o trânsito estava adormecido e sem vontade de ir a lado algum.
O sol, esse, já tinha picado o ponto e ido para casa… É sempre a mesma coisa. A continuar assim alguém vai ter que se queixar ao encarregado: cada vez sai mais cedo e deixa mais trabalho por fazer na bancada. Sempre quero ver que desculpas vai arranjar desta vez. Bom, adiante.
No banco da frente, um puto ensinava à mãe quem era o son goku e o vegeta ilustrando-os nas gotículas do vidro quando, de repente, da parte da frente do autocarro vieram gritos. Meio autocarro levantou-se e a outra metade esticou o pescoço.
O motivo do alarido parecia ser o homem que estava parado no fundo do corredor. Alto, maçudo, dava-lhe aí uns 50 anos. Mais não, pareceu-me que já tinha demasiados. Vestia um boné do euro e uma t-shirt da nike. Numa mão, segurava um saco do feira-nova e na outra um revólver. Lamento, mas não lembro da marca deste.
Pelo jeito da coisa, ele não queria apenas uma moedinha e todos já tinham entendido isso porque o saco já começava a encher e ele vinha em direcção do fundo do autocarro. Eu precisava de formular um plano mais rápido que a subscrição de crédito por telefone. Olhei à volta. No banco do lado um homem ainda com o Jornal de Notícias na mão olhava para mim e acenou-me com a cabeça ao que eu retribuí instintivamente. Como não o conhecia de lado nenhum, deduzi pouco depois que não se tratava de um cumprimento e que o meu pedido de crédito tinha sido aprovado. Perdão, o plano. O plano tinha sido formulado. Ficámos à espera.
Assim que o saco do feira-nova me foi mostrado, o homem do jornal levantou-se e aproximou-se por detrás do larápio. Mais um segundo e tudo estaria terminado quando de repente um berro veio do banco detrás.
Golo! Gooollo! Tomai lá que é para aprenderem!” – Acordei. Estremunhado, virei-me para trás e esbocei qualquer coisa que pretendia ser um sorriso. No banco do lado, uma senhora grávida ressonava enquanto que lá fora continuava a mesma chuva frouxa – “Mais 10 minutos, Paulo. Mais 10 minutos”.

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  1. Anonymous says

    Andas a ver muitos policiais, não andas?lol Gostei muito deste teu pesadelo!Continua a escrever